21 de novembro de 2013

E a verdade está ali onde o homem nunca olha.




    

     Não se pode encontrar Deus; não há caminho para Ele. O homem inventou muitos caminhos, muitas religiões, muitas crenças, salvadores e instrutores, que ele pensa que o ajudarão a encontrar a felicidade duradoura. O lamentável da busca é que ela conduz a uma certa fantasia mental, uma certa visão que a mente projetou e mediu pelas coisas conhecidas. O amor que ele busca é destruído por sua maneira de vida. Não se pode ter uma arma em uma mão e Deus na outra. Deus é apenas um símbolo, uma palavra que, com efeito, perdeu sua significação, porque as igrejas e os lugares de devoção a destruíram. 
     Naturalmente, se você não acredita em Deus, você é igual ao crente; ambos sofrem e passam pelo sofrimento de uma vida curta e vã; e as amarguras de cada dia tornam a vida uma coisa sem significação. 
     A realidade não se encontra no fim da corrente do pensamento, e o coração vazio se enche com palavras do pensamento. Tornamo-nos muito espertos, inventando novas filosofias, e depois existe a amargura do fracasso delas. Inventamos teorias de como alcançar a realidade final, e o devoto vai ao templo e se perde no meio das imaginações de sua própria mente.   
     O monge e o santo não encontram aquela realidade, porque ambos pertencem a uma tradição, a uma cultura que os aceita como santos e monges.
     O pássaro voa, a beleza da montanha de nuvens paira sobre a terra - e a verdade está ali onde o homem nunca olha.

J. Krishnamurti - A única revolução.

13 de novembro de 2013

         
             
                       

O pensar separativo que sustenta o ego.


O que temos discutido nas últimas semanas é a questão do "eu" e suas tendências. 

Chegamos a perceber que o "eu" é a causa fundamental de todos os males? O "eu" 

com todas as suas extravagâncias e ações sutis é o responsável por todos os males. 

Todo homem inteligente deve resolver esse problema do "eu", em vez de procurar 

contrabalançá-lo, encobri-lo: deve compreender como, na vida cotidiana, está 

sustentando, vitalizando e dando continuidade ao "eu". Se desejamos resolver 

qualquer um dos problemas mundiais, cumpre-nos, de certo, compreender todo o 

processo do "eu", com todas as suas complexidades, tanto conscientes como 

inconscientes. 

A religião organizada, a crença organizada e os estados totalitários são muito 

semelhantes, visto que têm o mesmo intuito de destruir o indivíduo pela compulsão, 

pela propaganda, por várias formas de coerção. A religião organizada faz a mesma 

coisa, embora de maneira diferente, e por ela sois também obrigados a crer, a aceitar, 

sois também condicionados. A tendência geral, tanto da esquerda como das chamadas 

organizações espirituais, é moldar a mente segundo determinado padrão de conduta; 

porque o indivíduo, quando entregue a si mesmo, se torna um rebelde. Por isso, 

destrói-se o indivíduo, pela compulsão, pela propaganda: é ele controlado, dominado, 

a bem da sociedade, do estado, etc. As chamadas organizações religiosas fazem a 

mesma coisa, com a diferença apenas de que o fazem um pouco mais 

disfarçadamente, um pouco mais sutilmente. Porque, também lá, os indivíduos devem 

crer, devem reprimir, devem controlar, etc., etc. Todo o processo visa a dominar o 

"eu", de uma ou de outra maneira. Pela compulsão, busca-se promover a ação 

coletiva. É esse o alvo da maioria das organizações, quer econômicas, quer religiosas. 

Querem ação coletiva, o que significa que o indivíduo deve ser destruído; em última 

análise, só pode significar isso. Aceitais a esquerda, a teoria marxista, ou as doutrinas 

hinduístas, budistas ou cristãs; e por essa maneira esperais promover ação coletiva. 

Sem dúvida, cooperação é coisa muito diferente de coerção. 

Como se promove a ação coletiva, ou, como deve ser promovida? Até agora ela tem 

sido promovida pela crença, pela promessa econômica de um estado de prosperidade, 

pela promessa de um futuro brilhante; ou o tem sido pelo chamado método espiritual, 

pelo medo, pela compulsão, e por várias formas de recompensa. Não ocorre 

cooperação só quando existe inteligência não coletiva, nem coletiva, nem individual? 

Para estudarmos o problema com proveito, deveis descobrir qual a função da mente. 

Que entendemos por "mente"?

(...) Ao observardes a vossa própria mente, estais observando não apenas os 

chamados níveis superiores da mente, mas também o inconsciente: estais vendo o que 

a mente realmente faz. Não é assim? Essa é a única maneira em que se pode 

investigar. Não deveis sobrepor (ao que a mente faz) o que ela deveria fazer, como 

deve pensar ou como deve agir, etc. — pois isso redundaria em fazer meras 

afirmativas. Isto é, se dizeis que a mente deve ser isto ou que não deve ser aquilo, 

pondes fim a toda investigação e a todo o pensar; e também, se citais alguma 

autoridade, parais de pensar. Não é verdade? Se citais Sankara, Buda, Cristo ou XYZ, 

pondes ponto final à busca, ao pensar, à investigação. Assim, devemos precaver-nos a 

esse respeito. Deveis colocar de lado toda essas sutilezas da mente e saber que estais 

investigando, este problema do "eu". 

Qual a função da mente? Para a descobrir precisais saber o que a mente está, na 

realidade, fazendo. Que faz a vossa mente? Ela é todo um processo de pensamento, 

não é verdade? 

De outra maneira, a mente não existe. Quando a mente não está pensando, consciente 

ou inconscientemente, quando não está verbalizando, não existe consciência. 

Cumpre-nos averiguar o que a mente faz — tanto a mente de que nos servimos em 

nossa vida diária, como a mente de que a maioria de nós não está consciente — 

cumpre-nos averiguar o que a mente faz com relação aos nossos problemas. Devemos 

examinar a mente, tal como ela é, e não como deveria ser. 

Pois bem, que é a mente, quando em funcionamento? Ela, de fato, é um processo de 

isolamento, não achais? Fundamentalmente, é isso o que ela é. É isso que constitui o 

processo do pensamento, — pensar de maneira isolada, embora permanecendo 

coletiva. Observando o vosso próprio pensar, vereis que ele é um processo isolado, 

fragmentário. Estais pensando em conformidade com vossas ações, as reações de 

vossa memória, vossa experiência, vosso saber, vossa crença. Estais reagindo a tudo 

isso. Não é exato? Se digo que há necessidade de uma revolução fundamental, reagis 

imediatamente. Haveis de contestar à palavra "revolução", se tendes bons 

"investimentos" (vantagens) — espirituais ou de outra natureza. Vossa reação, pois, 

depende de vosso saber, de vossas crenças, de vossa experiência. Isso é um fato bem 

óbvio. Há várias formas de reação. Dizeis: "Devo ser fraternal, devo cooperar, devo ser 

cordial, devo ser bondoso", etc. Que é isso? Só reações; mas a reação fundamental do 

processo do pensamento é um processo de isolamento. 

(...) Como já apreciamos antes, esse processo só serve para fortalecer o "eu", a mente 

— não importando que esse "eu" seja "alto" ou "baixo". Todas as nossas religiões, 

todas as nossas sanções sociais, todas as nossas leis, existem para o amparo do 

indivíduo, do "eu" individual, da ação separatista; e, do lado oposto, temos o estado 

totalitário. Se penetrardes mais fundo no inconsciente, vereis que lá também está em 

funcionamento o mesmo processo. Lá somos o coletivo, influenciado pelo ambiente, 

pelo clima, sociedade, pai, mãe, avô. Lá também existe o desejo de impor, de dominar, 

como indivíduo, como "eu". 

Nessas condições, não é a função da mente, como a conhecemos e como funcionamos 

em cada dia, um processo de isolamento? Não estais em busca da salvação individual? 

Haveis de ser alguém no futuro; ainda nesta vida, haveis de ser um grande homem, 

um grande escritor. Toda a nossa tendência é para estarmos separados. Pode a mente 

fazer alguma coisa mais do que isso? É possível a mente não pensar de maneira 

separativa, de maneira egocêntrica, fragmentária? É impossível. Por esta razão, 

rendemos culto à mente, a mente é sobremodo importante. Não é verdade que 

qualquer  pessoa que possui um bocadinho de sagacidade, um bocadinho de 

vivacidade, um pouquinho de ilustração e saber, logo se torna muito importante na 

sociedade? Sabeis quanto venerais os homens que são intelectualmente superiores, os 

advogados, os professores, os oradores, os bons escritores, os grandes explicadores e 

expositores! Não é verdade? Tendes cultivado o intelecto e a mente. 

A função da mente é existir isolada; de outra maneira, vossa mente não existe. Depois 

de cultivarmos este processo durante séculos, vemos que é impossível cooperar; 

economicamente e religiosamente, só somos empurrados, compelidos, tangidos pela 

autoridade, pelo medo. Se tal é a situação de fato, não apenas conscientemente, mas 

também nos níveis mais profundos, em nossos motivos, nossas intenções, nossas 

ocupações, como é possível qualquer cooperação? Como podemos unir-nos 

inteligentemente, para fazer alguma coisa? Sendo isso quase impossível, as religiões e 

os partidos sociais organizados forçam o indivíduo a certas formas de disciplina. 

Torna-se então obrigatória a disciplina em vista a união e a cooperação. 

Assim, enquanto não compreendermos como transcender esse pensar separativo, esse 

processo de exaltação do "eu" e da mente, quer sob forma coletiva, quer sob forma 

individual, não teremos paz; teremos constante conflitos e guerras. Pois bem, o nosso 

problema consiste em descobrir a maneira de dissolver, de eliminar o processo 

separativo do pensamento. Pode o pensamento destruir o "eu" — sendo o pensamento 

processo de verbalização e de certas reações? O pensamento não passa de reação; o 

pensamento não é criador; é apenas a expressão verbal da criação, a que chamamos 

pensamento. Pode esse pensamento por fim a si mesmo?... O pensamento está 

forçando, impelindo, disciplinando a si mesmo para ser alguma coisa ou para não ser 

alguma coisa. Não é isso um processo de isolamento? Logo, não é a inteligência 

integrada, capaz de funcionar como um todo e da qual, tão somente, pode provir a 

cooperação. 

(...) Como chegareis a colocar fim ao pensamento? Ou melhor, como chegará o 

pensamento ao seu término? Refiro-me ao pensamento que é isolado, fragmentário e 

parcial. De que maneira ireis proceder? A disciplina o destruirá? Aquilo a que chamais 

disciplina o destruirá? É bem evidente que não conseguistes tal resultado em todos 

estes longos anos; do contrário, não estaríeis aqui. Cumpre-vos examinar o processo 

do disciplinamento, o qual é apenas um processo de pensamento, em que há sujeição, 

controle, dominação — tudo atingindo o inconsciente. Este irá se impor mais tarde, ao 

ficardes mais velho. Tendo tentado a disciplina por tanto tempo, inutilmente, deveis 

ter reconhecido que a disciplina não é o processo capaz de destruir o "eu". O "eu" não 

pode ser destruído pela disciplina, porque a disciplina é um processo de fortalecimento 

do "eu". Entretanto, todas as vossas religiões a defendem: todas as meditações, todas 

as vossas asserções estão baseadas nisso. O saber o destruirá? A crença o destruirá? 

Por outras palavras, tudo o que estamos fazendo presentemente, todas as atividades 

a que estamos entregues com o fim de desarraigar o "eu", darão tal resultado? Tudo 

isso, fundamentalmente, não é um esforço vão, dentro de um processo de 

pensamento, um processo de isolamento, um processo de reação? Que fazeis, ao 

reconhecer, fundamentalmente, que o processo do pensamento não pode por fim a si 

mesmo?... Compreendeis, então, que toda reação é condicionada, e que, mediante 

condicionamento, não haverá liberdade, nem no começo, nem no fim. A liberdade está 

sempre no começo, e não no fim. 

(...) Vemos os caminhos do intelecto: não vemos o caminho do amor. O caminho do 

amor não pode ser encontrado pelo intelecto. O intelecto, com todas as suas 

ramificações, com todos os seus desejos, ambições, empenhos, tem de cessar, para 

que o verdadeiro amor venha à existência. Não sabeis que, quando amais, cooperais, 

não estais pensando em vós mesmos? Essa é a mais alta forma de inteligência — não 

quando sois amado como uma entidade superior ou quando vos encontrais em boa 

situação, — o que nada é senão medo. Onde houver direitos adquiridos, não pode 

haver amor; só há o processo de exploração, que culmina no temor. O amor só pode 

começar a existir, quando a mente não existe. Por conseguinte, cumpre-vos 

compreender todo o processo da mente, o funcionamento da mente. Só então podereis 

descobrir quando se realizará a revolução fundamental... Só então é possível descobrir 

o que é Deus, o que é a verdade. Ora, desejamos achar a verdade por meio do 

intelecto, por meio da imitação — o que é idolatria, quer os ídolos sejam feitos pela 

mão, quer pela mente. Só quando, pela compreensão, abandonais completamente a 

estrutura total do "eu", só então vem aquilo que é eterno, atemporal, imensurável; 

não podeis ir até ele; ele vem a vós.

Jiddu Krishnamurti